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quarta-feira, 9 de abril de 2014

"DURA LEX, SED LEX" - NO BRASIL ROUBO DE GALINHA NÃO DÁ FUTURO MESMO!


"Dura lex, sed lex" é uma expressão em latim cujo significado em português é "a lei é dura, porém é a lei".


Post do Ir.'. Homero Avila
A expressão se refere à necessidade de se respeitar a lei em todos os casos, até mesmo naqueles em que ela é mais rígida e rigorosa. A expressão remonta ao período de introdução das leis escritas na Roma Antiga; a legislação, até então, era transmitida pela via oral, e por consequência sofria diversas alterações por parte dos juízes, que as refaziam de acordo com tradições orais, e introduziam uma série de interpretações pessoais, na medida em que eram os detentores do poder de se referir a esta tradição oral. 

Com a introdução das leis escritas, passaram a ser iguais para todos - e, como tal, deviam ser respeitadas, por mais duras que fossem.

No Brasil, possui amparo no "princípio da Legalidade", princípio este preconizado no art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), promulgada em 5 de outubro de 1988.

A expressão sofreu uma adaptação "literária" por Fernando Sabino, escritor brasileiro nascido em Belo Horizonte, ao pronunciar a conhecida frase: “Para os pobres, é dura lex, sed lex. Para os ricos, é dura lex, sed latex”, que significa: "para os pobres a lei é dura mas é a lei, e para os ricos a lei é dura, mas 'estica'". Com essa "adaptação", Fernando Sabino critica, de forma brilhante, a questão jurisdicional brasileira que possui, muitas vezes, a capacidade de adaptar a aplicação da lei de acordo com interesses privados.

A crítica "sabinesca" continua a tripudiar de nossa Justiça que recentemente fez emergir de profundezas abissais com a força de um vulcão, o lado mais duro, e ao mesmo tempo irônico, da aplicação da Lei em contraste com a maior e mais desenfreada orgia de corruptosvagabundos, prostitutas, e ladrões do povo brasileiro.

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luiz Fux rejeitou um pedido de liminar para arquivar ação penal contra um homem acusado de roubar um galo e uma galinha, avaliados em R$ 40. Segundo o ministro, o caso deve ser resolvido apenas no mérito do habeas corpus, após manifestação do Ministério Público.

Mesmo depois da alegação que o acusado devolvera o galo e a galinha, Fux negou arquivamento de ação.
O caso chegou ao STF após percorrer todas as instâncias do Judiciário. Segundo a denúncia, Afanásio Maximiniano Guimarães  tentou roubar uma galinha e um galo que estavam no galinheiro da vítima, Raimundo das Graças Miranda. (prestem atenção na armadilha fonética do nome do desgraçado, que por aqui lembra o ato de "afanar", em que pese o significado do nome ser bem outro: imortalidade).
Depois do ocorrido, a Defensoria Pública pediu ao TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) que o processo fosse declarado extinto, uma vez que o acusado devolveu os animais. Apesar do pedido de aplicação do princípio da insignificância para encerrar o processo, a Justiça de Minas e o STJ (Superior Tribunal de Justiça), última instância da Justiça Federal, rejeitaram pedido para trancar a ação penal.
Ao analisar o caso no STF, Fux decidiu aguardar o julgamento do mérito do pedido para decidir a questão definitivamente. “A causa de pedir da medida liminar se confunde com o mérito da impetração, porquanto ambos referem-se à aplicabilidade, ou não, do princípio da insignificância no caso sub examine. Destarte, é recomendável que seja, desde logo, colhida a manifestação do Ministério Público Federal”, decidiu o ministro.

Segue a decisão:


PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO (ART. 155, CAPUT, DO CP). APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. A CAUSA DE PEDIR DA MEDIDA LIMINAR CONFUNDE-SE COM O MÉRITO DA IMPETRAÇÃO. INDEFERIMENTO DA LIMINAR. Decisão: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado contra decisão que indeferiu medida liminar em idêntica via processual, nos seguintes termos, verbis: “Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Afanásio Maximiniano Guimarães, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática do delito previsto no art. 155, caput, do Código Penal, por ter tentado subtrair uma galinha do galinheiro da vítima Raimundo das Graças Miranda, avaliada em R$ 40,00 (quarenta reais). Irresignada, a Defesa impetrou prévio habeas corpus no Tribunal de origem, tendo a Sexta Câmara Criminal, em julgamento unânime, denegado-lhe a ordem, em acórdão assim ementado (fl. 88): HABEAS CORPUS – FURTO SIMPLES – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – MOMENTO INOPORTUNO – ATIPICIDADE DA CONDUTA – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – MATÉRIA QUE COMPORTA O REVOLVIMENTO DE PROVAS – INCOMPATIBILIDADE – AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL – DENEGADA A ORDEM. - Em sede de habeas corpus só se permite o trancamento da ação penal quando se constata, prima facie, a atipicidade da conduta, a ausência de indícios de autoria, materialidade delitiva ou qualquer outra causa de extinção da punibilidade. - A aplicação do princípio da insignificância é causa supralegal excludente da tipicidade material da conduta, de forma que somente ao término da instrução processual está o Magistrado habilitado a analisar tal circunstância, sendo prematura a sua apreciação antes do término daquela fase, principalmente em sede de habeas corpus, ação de rito sumaríssimo que não comporta o revolvimento de matéria probatória. Por isso o presente mandamus, no qual sustenta o impetrante, em síntese, a atipicidade penal da conduta do paciente, pois destituída de relevância jurídica ante a aplicação do Princípio da Insignificância. Aduz que ‘a ação penal iniciada contra o Paciente encontra-se desprovida de justa causa, tendo em vista as coisas alheias subtraídas, o seu valor irrisório e a pronta restituição do galo e da galinha ao seu proprietário’ (fl. 5). Diante disso, busca, em tema liminar e no mérito, o trancamento de referida ação penal. Brevemente relatado, decido. A liminar, que na via eleita não ostenta previsão legal, é criação da jurisprudência para casos em que a urgência, necessidade e relevância da medida mostrem-se evidenciadas de forma indiscutível na própria impetração e nos elementos de prova que a acompanham. Em um juízo de cognição sumária, apura-se que a questão atinente à aplicação do princípio da insignificância merece uma reflexão mais profunda, demandando a análise detida da conduta criminosa, devendo, pois, ser reservada à egrégia Quinta Turma desta Corte, juiz natural da causa. Ademais, verifica-se que a liminar pleiteada, nos termos em que deduzida, confunde-se com a matéria de fundo, consubstanciando-se em pedido eminentemente satisfativo, incabível na espécie. Ante o exposto, indefiro a liminar. Solicitem-se informações complementares ao Magistrado singular sobre os fatos alegados na inicial. Após, abra-se vista dos autos ao Ministério Público Federal.” Colhe-se dos autos que o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 155, caput, do Código Penal (furto), por ter, em tese, subtraído um galo e uma galinha, avaliados em R$ 40,00 (quarenta reais). A defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sustentando, em síntese, a aplicabilidade, in casu, do princípio da insignificância. Denegada a ordem sobreveio nova impetração no Superior Tribunal de Justiça, cuja limar foi indeferida. Neste writ, reitera a tese de aplicabilidade do princípio da bagatela no caso sub examine, tendo em vista o pequeno valor da res furtiva. Ressalta, ainda, que os bens subtraídos foram restituídos à vítima. Requer, ao final, a concessão de medida liminar a fim de suspender a ação penal até o julgamento definitivo deste habeas corpus. No mérito, pleiteia o reconhecimento da atipicidade da conduta do paciente, com fundamento no princípio da insignificância. É o relatório. DECIDO. A causa de pedir da medida liminar se confunde com o mérito da impetração, porquanto ambos referem-se à aplicabilidade, ou não, do princípio da insignificância no caso sub examine. Destarte, é recomendável que seja, desde logo, colhida a manifestação do Ministério Público Federal. Indefiro o pedido de liminar. Solicitem-se informações ao Juízo da 2ª Vara da Comarca de São João Nepomuceno/MG sobre os fatos alegados na petição inicial. Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal para emissão de parecer. Publique-se. Brasília, 2 de abril de 2014. Ministro Luiz Fux Relator Documento assinado digitalmente

(HC 121903 MC, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 02/04/2014, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-067 DIVULG 03/04/2014 PUBLIC 04/04/2014)


Mas, essa decisão não pode ser considerada uma novidade, o Ministro Luiz Fux já havia se manifestado anteriormente nesse mesmo sentido, vejamos:
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. HC SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CF. ART. 102, I, “D” E “I”. ROL TAXATIVO. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA: PARADOXO. ORGANICIDADE DO DIREITO. FURTO (ART. 155, CAPUT, DO CP). REINCIDÊNCIA NA PRÁTICA CRIMINOSA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. FURTO FAMÉLICO. ESTADO DE NECESSIDADE X INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A aplicação do princípio da insignificância deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais. 3. O valor da res furtiva não pode ser o único parâmetro a ser avaliado, devendo ser analisadas as circunstâncias do fato para decidir-se sobre seu efetivo enquadramento na hipótese de crime de bagatela, bem assim o reflexo da conduta no âmbito da sociedade. 4. In casu, o paciente foi condenado pela prática do crime de furto (art. 155, caput, do Código Penal) por ter subtraído 4 (quatro) galinhas caipiras, avaliadas em R$ 40,00 (quarenta reais). As instâncias precedentes deixaram de aplicar o princípio da insignificância em razão de ser o paciente contumaz na prática do crime de furto. 5. Trata-se de condenado reincidente na prática de delitos contra o patrimônio. Destarte, o reconhecimento da atipicidade da conduta do recorrente, pela adoção do princípio da insignificância, poderia, por via transversa, imprimir nas consciências a ideia de estar sendo avalizada a prática de delitos e de desvios de conduta. 6. O furto famélico subsiste com o princípio da insignificância, posto não integrarem binômio inseparável. É possível que o reincidente cometa o delito famélico que induz ao tratamento penal benéfico. 7. In casu, o paciente é conhecido - consta na denúncia - por “Fernando Gatuno”, alcunha sugestiva de que se dedica à prática de crimes contra o patrimônio; aliás, conforme comprovado por sua extensa ficha criminal, sendo certo que a quantidade de galinhas furtadas (quatro), é apta a indicar que o fim visado pode não ser somente o de saciar a fome à falta de outro meio para conseguir alimentos. 8. Agravo regimental em habeas corpus a que se nega provimento.

(HC 115850 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 24/09/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 25-10-2013 PUBLIC 28-10-2013)





Para entendermos as "razões éticas" de decisões desse tipo na mais alta corte de Justiça do país temos que enxergar as coisas de outro modo, como já fez Luís Fernando Veríssimo em Novas Comédias da Vida Pública – A versão dos afogados, onde, de forma magistral, conseguiu em um curto espaço de poucas linhas explicar porque no Brasil "ladrão de galinha" deve ir pra cadeia:

"PENAS"

Dizem muito que, no Brasil, os corruptos ficam soltos enquanto os ladrões de galinha vão para a cadeia. Dando a entender que as penas, sem trocadilho, não são adequadas aos crimes. É um enfoque errado. Se o valor de qualquer ação se mede pelo grau de dificuldade, então roubar galinha é um crime infinitamente mais importante do que corromper ou ser corrompido, no Brasil.
O roubo de galinha envolve trabalho intelectual. Como o ladrão de galinha dificilmente terá um curso superior, o planejamento é duplamente trabalhoso. Ele precisa escolher o galinheiro. Decidir a hora e o método de ataque. No caso de optar por uma ruptura da cerca, o ladrão de galinha necessita de um instrumento adequado. Se optar pelo salto, precisará de uma vara. Investimento. Se usar a vara, terá que tomar distância, o que significa fazer cálculos. Talvez seja recomendável algum treinamento preliminar. Como fazer para neutralizar o cachorro, se houver? Uma vez dentro do galinheiro, como evitar a algazarra das galinhas, notoriamente nervosas, e as bicadas do galo? Se for noite, como escolher a galinha a ser carregada? Para roubar um banco, o ladrão pode coagir os funcionários e os clientes do banco com armas e gritos. Experimente silenciar um bando de galinhas com a ameaça de estourar seus miolos, ainda mais com o galo bicando seu tornozelo.
Outra coisa. Muitas vezes o homem que rouba duzentos ou trezentos milhões o faz porque a oportunidade se apresenta, num instante fortuito. Ele não resiste ao impulso de colocar alguns zeros a mais na guia de pagamento do INSS, por exemplo, ou subfaturar uma transação. Rouba porque está ali, fazendo outra coisa. Mas quem está dentro de um galinheiro alheio, no meio da noite, não está ali pra outra coisa além de roubar galinha. O roubo de galinha é sempre premeditado. Ninguém pode alegar motivos passionais, ou insanidade passageira, ou a necessidade de fundos para uma campanha eleitoral, ou simplesmente diletantismo, para ter roubado uma galinha. Só uma mente criminosa irrecuperável pensa em roubar galinhas, sabendo todo o trabalho que terá. Compare-se isso ao tráfico de influência, que muitas vezes só requer um telefonema, feito do próprio local de trabalho.
Ao contrário do corrupto, que sabe que jamais será punido, o ladrão de galinha sabe que irá preso. Por isso, para ser ladrão de galinha é preciso ter vocação para o crime, além de uma determinação sobre-humana, característica de uma personalidade obsessiva, que em absoluto pode ficar solta. 

(Luís Fernando Veríssimo. Novas Comédias da Vida Pública – A versão dos afogados)

Fontes:

http://guilhermemarzeuski.jusbrasil.com.br/noticias/115491677/fux-nega-liminar-para-homem-acusado-de-roubar-galinha?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28galinha%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/at7thad

http://pt.wikipedia.org/wiki/Dura_lex,_sed_lex

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