Páginas

sábado, 1 de novembro de 2014

SÃO JOÃO, DE ONDE VINDES?



"Difícil falar em Maçonaria sem citar São João."


Homero Avila
O arquétipo de São João é uma das mais importantes fontes da espiritualização maçônica, cuja origem praticamente nos remete a tempos imemoriais, eis que não se prende a estudos e teorizações, mas sim à persecução humana de um estado de Graça Divina que vem resistindo ao tempo apenas com base nos exemplo e prática virtuosa de um modo de vida guiado pela retidão de caráter, amor ao próximo e fé em Deus. São João é o mais importante guia para o crescimento e aperfeiçoamento moral de Maçons do mundo inteiro.

A virtuosidade do padroeiro da Maçonaria, é, por assim dizer, aquilo que cada maçom “quer ser quando crescer”...

A propósito, “padroeiro” vem do Latim “patronus”, que significa “defensor ou protetor”. Tem a ver com a figura do pai que pelo exemplo merece ser imitado pelos filhos. Curial ainda que “João”, na etimologia hebraica significa “A Graça Divina”.

Como dito, tal como a origem da própria Maçonaria, perde-se no tempo a origem do patronato de São João na Maçonaria. Não obstante, de um modo mais pragmático, tem-se a cabal existência de registros documentais do início da fase especulativa, ou seja, a partir do ano de 1723, mais especificamente na Constituição de Anderson, publicada pouco tempo depois da fundação da Grande Loja da Inglaterra em 1717. Esse importantíssimo documento maçônico fez expressa referência à manutenção de um antigo costume reverencial a São João, contudo devido a natureza constitutiva do documento, inexistem menções às origens dessa prática.

A despeito da falta de indicações precisas quanto a origem do patronato, sabe-se que Maçonaria atual foi fundada sob preceitos eminentemente cristãos. Não por acaso, e isso será detalhado adiante, a fundação da Maçonaria que conhecemos ocorreu no dia São João Batista, ou seja, 24.06.1717, o que desde já nos permite afastar de modo insofismável a possibilidade de serem “incorporados” ao patronato da Ordem a imensa maioria dos “São João” que existiram ao longo da história da humanidade, diga-se de passagem, pelo menos uns cinquenta**. Neste passo, embora muitos São João tenham sido santificados pela Igreja e outros simplesmente aclamados ou considerados santos pela fé popular, todos o foram por seus méritos e exemplos pessoais de vida, mas nem por isso devem ser confundidos ou guindados ao patronato maçônico.

Talvez, a busca nominal do verdadeiro patrono da Ordem seja aquela que menos importa, pois como se pode facilmente deduzir ante a grande quantidade de São João que podemos encontrar, qualquer interpretação especulativa a esse respeito apenas terá o condão de introduzir inovações desnecessárias e discussões estéreis.

Todavia, fatos históricos universalmente aceitos não podem ser ignorados.

Nesta senda, é muito importante frisar que antes mesmo do surgimento imensa maioria dos “São João” hoje catalogados, São João Batista e São João Evangelista foram os únicos personagens bíblicos citados. Tal fato, senão esclarece qual ou quais os arquétipos da virtude maçônica, no mínimo restringe as hipóteses dos “Santos João” invocados para esta finalidade, conquanto assim adotados em alguma época perdida da Maçonaria Operativa e posteriormente expressamente ratificados pela Constituição da Maçonaria Especulativa.

Note-se que estamos falando apenas do arquétipo da virtuosidade perseguida pelos maçons, pois, por mais que se procure nas escrituras sagradas ou nos livros consagrados da história maçônica, não existe qualquer relato ou prova da iniciação de algum deles na Maçonaria.

“Rizzardo da Camino” em sua obra “Lendas Maçônicas” relacionou 33 personagens com o nome de "São João", vejamos: 1- São João Calibita; 2- São João Esmoler; 3- São João Crisóstomo; 4- São João Reomé; 5- São João (sem cognome, surgido em Alexandria); 6- São João Bosco; 7- São João do Egito; 8- São João Clímaco; 9- São João da Mata; 11- São João de Vandiéres; 12- São João da Cruz; 13- São João de Deus; 14- São João Damasceno; 15- São João de Berley; 16- São João, o Silencioso; 17- São João Nepomuceno; 18- São João Batista de Rossi; 19- São João do Prado; 20- São João; 21- São João de Sahagun ou de Santa Fagunda; 22- Sào João de Matera; 23- São João I de Nápoles; 24- São João IV de Nápoles; 25- São João Fischer; 26; São João de Chinon; 27- São João Cassiano; 28- São João Colombini; 29- São João Batista Maria Vianney; 30- São João Berchmans; 31- São João, o Anão; 32- São João Câncio; e 33- São João de Capistrano.

Certamente poderemos nos lembrar de tantos outros santos “João” canonizados e não canonizados pela igreja católica, mas que ao longo do tempo adquiriram popularidade.

À lista de RIZZARDO, acrescentamos um despretensioso rol de outros santos “João”, resultado de algumas buscas na internet apenas para fomentar a reflexão do quão a questão pode parecer tormentosa e facilmente dar aso a diferentes interpretações, tais como: 34-) São João da Escócia, 35-) São João de Jerusalém, 36-) São João da Palestina, 37-) São João Batista Angers, 38-) São João de Montecorvino, 39-) São João de Ribera, 40-) São João de Deus, 41-) São João Sacalabrini,  42-) São João Batista de La Salle, 43-) São João batista Piamarta, 44-) São João de Brito, 45-) São João da Sahagun, 46-) São João Gualberto, 47-) São João José da Cruz, 48-) São João XXIII (Papa), 49-) São João I (Papa) e 50-) São João Paulo II (Papa).


Existem ainda muitos “São João” que sequer existiram, apenas acabaram ganhando “sobrenome” quando da fundação de alguma Loja ou de algum segmento social ou religioso, apenas para designar e destacar a nova entidade das demais. Exemplificativamente temos São João de Boston, que designa uma Grande Loja do continente americano, fundada em 1733, São João de Edimburgo – Grande Loja da Escócia em 1756, como organização social podemos citar: São João da Boa Vista, São João de Meriti, etc...


O POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO E HISTÓRICO QUANTO AO PATRONATO DE SÃO JOÃO


SÃO JOÃO BATISTA E SÃO JOÃO EVANGELISTA


Renomados autores estudiosos da história maçônica cujas obras são citadas na maioria dos estudos e pesquisas tanto por sua importância cronológica, como pela contribuição que deram à compreensão histórica da formação e evolução de nossa instituição, confirmam a existência do patronato de São João desde muito antes da Constituição de Anderson. Vejamos:

  • Thomas Smith Webb (1771 a 1819), em sua célebre obra, “The Freemason's Monitor” de 1797, (uma espécie de convenção ritualística que serve até hoje como base da liturgia e da organização da Maçonaria nos Estados Unidos e que mais tarde deu origem ao “The General Grand Chapter of Royal Arch Masons”), diga-se de passagem, digna de leitura por todos os maçons do mundo pela maneira cifrada, porém profunda na orientação da prática maçônica, ao tratar do tema “A QUEM AS LOJAS SÃO DEDICADAS”, trouxe a lume a identificação de São João Batista e São João Evangelista com a corrente maçônica católica da época operativa pontuando que embora nossos antigos irmãos operativos dedicassem suas Lojas ao Rei Salomão havia uma vertente católica que, além disso, também dedicava suas Lojas a São João (Batista e Evangelista). 
  • Albert Gallatin Mackey (1807 a 1881) médico americano, maçom, autor de vários livros e artigos sobre a Maçonaria, sobretudo, os “Landmarks da Maçonaria”. Serviu como Grande professor e Grande Secretário da Grande Loja de Carolina do Sul e Secretário-geral do Conselho Supremo do Antigo e Aceito Rito da Jurisdição Sul dos Estados Unidos. Talvez tenha sido o mais importante historiador e jurista maçônico dos Estados Unidos. Segundo seus próprios compatriotas, até hoje não se avaliou adequadamente as consequências que seus trabalhos tiveram sobre a maçonaria, não só americana, mas também de todo o mundo. Em sua famosa enciclopédia de franco-maçonaria, com referência a loja de São João, assim expressa: "a tradição maçônica é que a primeira loja, ou loja mãe, foi convocada em Jerusalém, e dedicada a São João, primeiro Batista, depois ao Evangelista e, finalmente a ambos", em consequência, esta loja foi chamada "a Loja do Bendito São João de Jerusalém".
  • Jules Boucher (1903 a 1955), escritor maçom, ocultista e alquimista, autor de importantes obras sobre as ciências secretas, porém defensor da divulgação dos segredos maçônicos, filia-se ao pensamento de que São João teria sido adotado como padroeiro da maçonaria na época das Corporações de Ofício, quando estas ainda se orientavam exclusivamente na religiosidade católica. 
  • Nicola Aslan (1906 a 1980), escritor maçom, autor de extensa obra sobre temas maçônicos. Ocupou a 6ª cadeira da Academia Maçônica de Letras do Rio de Janeiro, da qual foi um de seus fundadores. Também foi um dos fundadores da Academia Brasileira Maçônica de Letras, tendo ocupado a cadeira nº 38. Ocupou vários cargos no Grande Oriente do Brasil, atingindo o 33º Grau do Rito Escocês Antigo e Aceito. Em “Comentários ao Ritual de Aprendiz” fala no patronato de dois São João, o Batista e o Evangelista como “antigos patronos” admitidos pela maçonaria.
  • Rizzardo da Camino (1918 a 2007), escritor maçom, juiz de direito na vida civil, na Maçonaria, dentre outros cargos, foi membro do Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria do Brasil, e Delegado Especial do Supremo Conselho da Ordem De Molay, entendia a Maçonaria como instituição formadora de atitudes espirituais e mentais para senda evolutiva do indivíduo. Em seu livro “Lendas Maçônicas” afirma São João como padroeiro da Maçonaria. Como visto anteriormente, relacionou 33 (trinta e três) “São João” que viveram em épocas e lugares diferentes.
  • José Castellani (1937 – 2004), médico oftalmologista, escritor, jornalista e historiador. Ilustre maçom, Grau 33 do REAA, é detentor de um dos maiores currículos dentre os maçons brasileiros. Ocupou os mais altos cargos no GOSP e GOB. Criou e reformulou o pensamento e as atitudes de uma época, tendo influenciado toda uma geração maçônica com sua forma de agir e pensar. Autor de uma extensa e festejada obra da literatura maçônica, assim afirma: "A Maçonaria tem como Patronos os Santos: São João Batista, cujo dia se comemora em 24 de junho, mesma data em que a Grande Loja da Inglaterra foi fundada no ano de 1717 e São João Evangelista que é comemorado no dia 27 de dezembro. Coincidindo com os 2 Solstícios anuais. Sob uma visão simbólica, os dois solstícios encontram-se num momento de transição, com o fim de um grande ano cósmico e o começo de um novo, que marca o nascimento de Jesus: um anuncia a sua vinda (o Batista) e o outro propaga a sua palavra (o Evangelista)".
  • Robert L.D. Cooper, escritor da atualidade, respeitabilíssimo historiador maçom, desde 1994 curador da biblioteca e museu da Grande Loja da Escócia, Mestre Instalado (2012 a 2013) do incontestável e mais produtivo centro de pesquisas maçônicas “Quatuor Coronati Lodge, nº 2076”, cargos que lhe garantiram privilegiado acesso, praticamente ímpar, a documentos históricos raríssimos da Maçonaria, que lhe renderam um inegável envolvimento pessoal que emerge de suas brilhantes pesquisas, que resultaram em várias obras literárias maçônicas, notadamente notavelmente no campo das observações e opiniões sobre a história da anti-maçonaria, ratificou todas as assertivas anteriores quanto a origem do patronato de São João, em seu livro “Revelando o Código da Maçonaria” afirmando que: “em 1475, os Pedreiros e os Carpinteiros da Escócia receberam o seu Alvará como corporação reconhecida. Como marca de sua recém-encontrada respeitabilidade, os Pedreiros de Edimburgo ganharam o uso da capela de São João Evangelista, na catedral de St. Gilles. Essa ligação com a catedral é a razão de São João Evangelista (dia santo em 27 de dezembro) ser o Padroeiro da Franco-Maçonaria na Escócia, sendo que em todo o resto do mundo é São João Batista (dia santo em 24 de junho)”.

Como podemos observar, grandes autores doutrinadores e historiadores maçons admitem as figuras de São João Batista e São João Evangelista como patronos da Ordem, às vezes até por diferentes razões, mas, uma coisa é consenso entre eles: ambos “São João” são considerados como patronos da Maçonaria, ainda que tenham vivido em diferentes épocas.


SÃO JOÃO ESMOLER


Em que pese a majoritária corrente doutrinária entender as figuras dos santos São João Batista e São João Evangelista como patronos da Ordem, há uma corrente minoritária que afirma São João Esmoler como o patrono da Maçonaria.

São João Esmoler nasceu na Ilha de Chipre e viveu entre 550 e 619. Seu patrocínio é justificado por aqueles que o adotam por conta de sua principal virtude: a caridade aos pobres e aos enfermos. Além da vida religiosa dedicava-se às Ordens Hospitalárias, tendo sido o fundador de um hospital em Jerusalém voltado à prática da caridade aos peregrinos necessitados.

Tal como São João Batista e São João Evangelista, São João Esmoler é também um santo antigo. 

Em que pese ter vivido entre 550 e 619, seu reconhecimento como patrono se deu posteriormente através dos Cavaleiros Templários, em época contemporânea à Maçonaria Operativa medieval. Especula-se que São João Esmoler pode ter sido introduzido na Maçonaria medieval durante o convívio com maçons operativos no âmbito dos canteiros de obras das construções das magníficas catedrais góticas da Idade Média europeia.

Quanto a isso, o que sabe é que em tempos bem posteriores a sua morte foi escolhido pelos monges beneditinos (em 1070), como patrono da Ordem de São João de Jerusalém pelo seu exemplo de vida caridosa e assistencial. Esta ordem acabou sendo convertida na Ordem dos Cavaleiros de Malta ou Cavaleiros Hospitalários (oficialmente Ordem Soberana e Militar Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta), que é uma organização internacional fundada na Palestina, durante as Cruzadas, mas que rapidamente se tornou uma ordem militar cristã, encarregada de assistir e proteger os peregrinos e exercer a Caridade. Daí nasce uma possível explicação para o respeito e admiração que os Cavaleiros Templários desenvolveram por São João Esmoler.

Na literatura, os registros da relação de São João Esmoler com a Maçonaria começaram, ao que parece, a partir do escritor maçom francês Etienne-François Bazot (1782 a 1818), secretário geral da Sociedade Real de Ciências e Venerável da Loja La Bonne Paris Union, que escreveu obras tais como “Vocabulaire des Francs-Maçon” e de um manual da Maçonaria francesa, “Manuel du Franc-Maçom”, primeira edição em 1811, onde afirma este patronato.

Malgrado, a data comemorativa de São João Esmoler, 23 de janeiro, difere da data de fundação da Maçonaria especulativa (24/06/1717), dia de São João Batista o que, numa análise perfunctória nos leva a concluir que em se tratando de Maçonaria Especulativa a evidência comemorativa e a ausência de uma história bíblica deste personagem, não convergem para a confirmação de São João Esmoler como patrono da Maçonaria, embora não se possa com segurança afirmar que sejam “pré-requisitos” para admissão ao patronato Maçônico.


A INCORPORAÇÃO DO PATRONATO DE SÃO JOÃO À MAÇONARIA ESPECULATIVA


Talvez “incorporação” seja a palavra chave. 

A remissão à figura de um santo como padroeiro da Ordem nos faz imaginar algo de bom a ser copiado. Observemos as instruções maçônicas que sempre nos convidam a ser como São João.

Independentemente de quem seja ou quem sejam os “São João” escolhido(s), o patronato significa para a Maçonaria, sobretudo a aceitação de um arquétipo da virtude que já existia muito antes da reforma maçônica. Entretanto, sua origem nunca foi completa e seguramente aclarada pela literatura histórica ou pelos pesquisadores maçônicos.

As razões da “incorporação” de um arquétipo norteiam e justificam um estudo mais detalhado para compreendermos nosso caminho evolutivo espiritual.

Façamos uma reflexão


O PROTESTANTISMO E O(S) SANTO(S) CATÓLICO(S)


É difícil imaginar que a Maçonaria anglo saxônica, responsável pela reforma da Ordem, tenha implantado o patronato de São João visando introduzir ao Templo um símbolo materializado na imagem de um santo, ainda que tão rica em símbolos.

Acontece que, queiramos ou não, a Maçonaria moderna é em sua origem eminentemente Cristã, não de influência católica e menos ainda de outra religião, apenas cristã. Inegável que os Maçons ingleses, escoceses e irlandeses da época professavam princípios religiosos protestantes e que na época reformista Maçônica, o grande conflito religioso existente na Europa, cenário das mudanças, era entre católicos e protestantes.

Sabemos que protestantismo rejeita parte das doutrinas que caracterizam o catolicismo tais como: o purgatório, a supremacia papal, as orações pelos mortos, a intercessão dos santos, a Assunção de Maria e sua virgindade perpétua, a veneração dos santos, a transubstanciação, o sacrifício da missa, o culto às imagens, etc.

Assim sendo, os protestantes não adotavam (como ainda hoje não o fazem), o costume de atribuir nomes de santos aos acontecimentos importantes, tal como sempre ocorreu na igreja de Roma. Não faz parte de seus costumes religiosos a adoração de imagens. Dentre várias outas razões que não são objeto desse estudo, os protestantes assentam sua crença no pensamento da intercessão única de Cristo entre o homem e Deus, e na rejeição à idolatria de imagens, pois entendem que estas afastam ou se colocam no lugar da intercessão Divina. 

Sendo assim, não é razoável dizer que os fundadores da Maçonaria Especulativa tenham inserido São João nos rituais e na sua Constituição reformadora originária (Constituição de Anderson) com a intenção de adoração a um santo e menos ainda na busca de sua intercessão junto a Deus em lugar de Cristo. Lembro que a referência a Cristo é feita porque conforme citado anteriormente a Maçonaria da época reformista era eminentemente Cristã.

As razões que levaram os reformadores a tanto têm muito mais ver com a prática da virtude calcada no esoterismo a partir do exemplo virtuoso, hoje transformado no arquétipo de um “santo”, até porque na conceituação do que vem a ser um “santo” exsurge de forma cristalina a prática da virtude. Este é um ponto de convergência entre as religiões. Um santo pode ter sido um homem que em vida defendeu uma causa, não necessariamente atrelada a uma igreja, mas principalmente coerente com sua própria vida e atitudes em sincero e despretensioso benefício de outrém.

Santo é aquele que rompe com o pecado, por assim dizer. 

A própria conceituação da palavra “santo” em hebraico significa o ato de "cortar", em grego "separar” ou "diferenciar. Esse contexto está a nos indicar que “santo” deve ser aquele que leva uma vida diferenciada, sempre voltada para o caminho da virtude.

Dito isso, tem-se ainda que os luteranos e os calvinistas franceses da época, ambos fortemente influenciados pelo Iluminismo racionalista de vertente Deísta, se fizeram presentes não só no modelamento e prática da fé religiosa em boa parte da Europa, mas também no que interessa a essa reflexão, estavam presentes como líderes da reforma maçônica na época da fundação da Grande Loja da Inglaterra (1717). 


OS PRINCIPAIS ATORES DA REFORMA MAÇÔNICA E A PAZ COMO PILAR CONSTITUCIONAL


Esse argumento ganha provas e força explicativa na medida em que não há como negar que a Maçonaria atual – Especulativa - é em grande parte fruto do trabalho de James Anderson, Pastor Evangélico, Presbiteriano de uma das igrejas de Londres e pelo Calvinista, Jean Theophile Desaguliers, Grão Mestre da Grande Loja de Inglaterra, eleito posteriormente em 1719, mas que há muito já participava e compartilhava os trabalhos com Anderson, dois protestantes que certamente não encontrariam razões em sua orientação religiosa para admitir um santo como intercessor dos Maçons para com Deus e tampouco cultuar sua imagem nos Templos.

As evidências documentais históricas comprovam que, não obstante o protestantismo religioso professado por Anderson e Desaguliers, São João Batista e São João Evangelista foram cabal e definitivamente incorporados à Maçonaria nas Constituições de Anderson.

Neste ponto, devemos falar um pouco de Jean Theophile Desaguliers que desenvolveu grande trabalho de sustentação e parceria com Anderson para viabilizar a reforma maçônica. Este sim, nos parece ter sido um grande, senão “o grande” mentor intelectual e líder Maçom dessa parte pacificadora da reforma. Vejamos.

Desaguliers era um homem de vastos conhecimentos e estudos científicos, pesquisador em física experimental, membro curador da Royal Society de Londres desde 1714, mestre em filosofia e letras, doutor em direito, compadre e assistente de Isaac Newton (1642 a 1627) sabidamente um homem avesso às discussões, mas com grande reputação intelectual, que contava com o respeito e amizade dos maiores homens de ciência da época. Desaguliers, tal como seu mestre Newton possuía veia pacifista. Tinha grande talento para transformar coisas complexas em simples e congregar pessoas em torno de suas ideias, era irmão de Loja de Anderson desde 1717, onde se candidatou a Grão Mestre da Grande desde o início, mas foi eleito em 26 de junho 1719, após Anthony Sayer (1717 a 1718), George Payne (1718 a 1719).

Foi o último Grão Mestre da Grande Loja Unida da Inglaterra eleito entre os “plebeus”. Mas isso foi só em aparência, pois permaneceu como influente Grão Mestre Adjunto até 1725 nos mandatos subsequentes, nomeado em 1724 pelo conde de Dalkeith e em 1725 pelo Lorde Paisley.

Conta-se que após sua gestão, foi eleito o duque Philip Wharton (1698 a 1731), um Grão Mestre advindo da nobreza, cuja reputação caiu no esquecimento histórico devido seu comportamento contrário aos princípios Maçônicos. Diversos relatos dão conta de que era um promíscuo, aproveitador, um ateu que se dizia protestante a depender da situação, alcóolatra, mulherengo e que deve ter sido eleito Grão Mestre Geral da Loja de Londres apenas por algum tipo de influência política ou da nobreza, nunca por suas “virtudes” maçônicas.

Aos 23 anos de idade, Wharton foi o fundador de um clube de depravações e imoralidades para a época, que sugestivamente se chamava “Clube das Chamas do Inferno” (ou algo parecido), onde costumava se encontrar com homens e mulheres para a prática de toda espécie de orgias, profanação e libertinagem, além de uma gratuita ridicularização do cristianismo, o que envergonhava a Maçonaria e os princípios religiosos protestantes que ele próprio dizia professar. Consigne-se que por volta de 1728, por razões ignoradas, se converteu ao catolicismo.

Para terminar, não nos alongando muito na vida pregressa, o “doidivanas” e “hedonista”, duque Wharton, acabou sendo expulso da Maçonaria e morreu ainda jovem na Espanha aos 33 anos de idade (1731). 

Um grande conhecedor da história maçônica, o querido irmão Alfério Di Giaimo, relata em sua Pílula Maçônica 169 que o malhete de Wharton chegou a ser solenemente queimado. 

Cabe ressalvar que boa parte da literatura imputa a ele a fundação, em 1728, da primeira Loja Maçônica fora da Inglaterra, em Madri, Espanha.

Por ser o Grão Mestre da época (1723), na prática foi quem “levou os louros da vitória” pela promulgação da Constituição de Anderson, a despeito de não merecê-los.

Resta óbvio que Wharton, que também se dizia protestante, ao mesmo tempo que criava constantes constrangimentos e embaraços aos mais conservadores devido ao seu modo de vida desregrado, jamais poderia ter promovido qualquer ato no sentido de incorporar um arquétipo da virtude à Maçonaria. Infelizmente, o tempo que desperdiçava no “Clube das Chamas do Inferno” não lhe permitia tempo para estudos ou acesso a uma reflexão espiritual mais profunda sobre o tema.

Assim, na verdade quem sempre esteve na articulação reformadora da Maçonaria era mesmo Desaguliers, primeiro como Grão Mestre e na sequência como Grão Mestre Adjunto dos eleitos seguintes, era ele o homem que detinha a capacidade não só intelectual, cultural e filosófica, mas principalmente de articulação pela notória reputação e influência durante a fase de construção e implementação da nova constituição ao lado de Anderson, outro célebre Maçom que conseguiu consolidar a reunião das Lojas Maçônicas em torno de uma constituição, cuja compilação teve início a partir do Grão Mestre George Payne e foi publicada pela primeira vez em 1723, sempre contando com a articulação política e intelectual de Desaguliers.

Do trabalho doutrinário e constitucional de Anderson e Desaguliers aflora a vertente ideológica e teológica do Irenismo* no que diz respeito à aceitação de todos os homens livres e de bons costumes, independente de sua fé religiosa, que carreou e sedimentou a aceitação plena de São João Batista e São João Evangelista como padroeiros da Maçonaria Especulativa, na busca de um arquétipo virtuoso, em plena época de muitos conflitos religiosos na Europa entre a Igreja Católica e os Protestantes.

*Irenismo na teologia Cristã refere-se à tentativas de unificar os sistemas apologéticos cristãos utilizando a razão como um atributo essencial. A palavra deriva da palavra da grego ειρήνη (eirene) significando paz. É um conceito relacionado à teologia natural, e oposto ao polemicismo da argumentação animosa, e tem suas raízes nos ideais do pacifismo. Aqueles que se afiliam ao irenismo identificam a importância da unidade na igreja Cristã, e declaram o laço comum entre todos os cristãos em Cristo.


A REFORMA DA MAÇONARIA – IRENISMO E TOLERÂNCIA APLICADOS


A Constituição de Anderson (1723), a qual reputo de influência irenista, retirou a obrigatoriedade dos membros de seguir a religião oficial do país onde quer que se encontrassem. Nenhum homem poderia ser impedido de se tornar um maçom por professar essa ou aquela crença religiosa.

Ficou patente na história maçônica o grande esforço conciliador e exemplo de tolerância de Anderson e, principalmente de Desaguliers no exercício da liderança e implementação dos ideais reformadores em meio a uma época e um lugar (Europa) de intensos conflitos religiosos entre católicos e protestantes. Mais que isso, antigos costumes católicos reverenciais a São João, restaram de certa forma acolhidos e respeitados em relação à antiga Maçonaria Operativa de orientação católica.

A prova disso está na própria Constituição, onde o mais sagrado dia para os maçons ficou sendo, o de São João Batista, 24 de Junho. Logo em segundo lugar, o de São João Evangelista, em 27 de Dezembro. 

Anderson e Desaguliers vislumbraram essas duas alternativas se valendo de louvável política que enaltece a prática da virtude fixando o exemplo de São João e ao mesmo tempo pondo fim às discussões religiosas e filosóficas da época na reforma maçônica, acrescentando nas orientações XXII e XXIII dos Regulamentos Gerais das Constituições de Anderson, de 1723, para que os todos os maçons se recordassem dos dias mais festivos dos maçons operativos, de modo a manter o “antigo e salutar costume da Maçonaria”.

Aliás, nada custa repetir, a Grande Loja de Londres foi precisamente fundada em 24 de Junho de 1717, sendo o cânone dos dois dias solenes confirmado expressamente. Relembremos os regulamentos gerais XXII e XXIII de Anderson:

“(...)

Regulamentos Gerais 22

Todos os Irmãos de todas as Lojas ao redor e em Londres e Westminster deverão ter uma comunicação e celebração anuais em lugar conveniente, no Dia de São João Batista ou no Dia de São João Evangelista, como a Grande Loja ache mais adequado em novo regulamento; tendo nos últimos anos se reunido no Dia de São João Batista: sob condição.
A maioria dos Mestres e Vigilantes, juntamente com o Grão-mestre, devem concordar em sua comunicação trimestral, três meses antes, que deverá haver uma festividade e uma comunicação geral de todos os Maçons. Mas se o Grão-mestre, ou a maioria dos Mestres se puser contra, esta deve ser, então, cancelada.
Mas se deve haver uma festividade para todos os Irmãos, ou não, ainda assim a Grande Loja deve se reunir anualmente em lugar conveniente no Dia de São João, ou se for domingo, então no próximo dia, para que todo ano se escolha um novo Grão-mestre, Adjunto e Grandes Vigilantes.(grifei)

Regulamentos Gerais 23

Se, se achar conveniente, e o Grão-mestre, juntamente com a maioria dos Mestres e os Vigilantes, concordarem em realizar uma grande festividade, de acordo com o antigo e salutar costume da Maçonaria, então os Grão-mestres devem cuidar de preparar os convites, selados com o selo do Grão-mestre, e de dispor dos convites, de receber o dinheiro para os convites, de comprar os materiais da festividade, de achar próprio e conveniente lugar para a festividade; e de tudo aquilo que concerne a tal entretenimento. Mas que este trabalho não seja oneroso para os dois Grandes Vigilantes, e que todos os assuntos sejam cuidados segura e diligentemente. O Grão-mestre, ou seu Adjunto, deve ter o poder de nomear ou apontar um certo número de stewards, quantos o Respeitável achar necessário, para atuar em conjunto com os dois Grandes Vigilantes. Tudo o que for relativo à festividade é decidido entre estes por uma maioria de votos, exceto quando o Grão-mestre, ou seu Adjunto, se interponha através de orientação ou apontamento.


CONCLUSÃO:


Devemos estudar e aprender com os exemplos de vida de São João, sendo este para nós Maçons o arquétipo virtuoso que verdadeiramente interessa ao crescimento espiritual, não necessariamente suas origens. Todavia, ainda que falemos nas “origens” do patronato na Maçonaria Especulativa, podemos com clareza identificar a aplicação prática do exemplo de vida virtuosa de São João através da tolerância e do amor ao próximo insculpidos na Constituição de Anderson

Foi a partir da Constituição de Anderson que os patronos da Maçonaria foram estabelecidos como sendo São João Batista e São João Evangelista, inclusive expressamente incluídos festejos obrigatórios em suas datas comemorativas. Esses dois santos são ratificados pela maioria dos doutrinadores e historiadores maçons como patronos da Ordem. A existência de outros tantos São João, não deve se confundir com os marcos constitucionais fincados na reforma maçônico-especulativa.

A aparente ambiguidade religiosa existente na adoção de santos como arquétipo do patronato da Maçonaria se desfaz na medida em que, ao analisarmos o cenário reformador no tempo e no espaço, verificamos que na gênese maçônica Especulativa, a despeito de professarem o protestantismo, seus mentores não fomentaram o conflito religioso existente em face dos católicos. Desvanecendo conflitos, foi implementada uma constituição de influência nitidamente Irênica, diga-se de passagem, ainda que diferente fosse, a vida santa é perfeitamente reconhecida e admitida pelos irmãos protestantes.

Anderson e Desaguliers trilharam por caminhos da pacificação religiosa para a congregação dos irmãos. Santos católicos emprestaram-nos seus exemplos de vida virtuosa, sendo eles absorvidos e incorporados pelos protestantes reformadores da Maçonaria, 

Da corajosa constituição reformista de Anderson, produzida em meio a um turbilhão filosófico racionalista e iluminista, com direito a uma boa dose de conflitos religiosos, desponta a nítida aplicação da tolerância maçônica, não só entre os iniciados, mas que também abre seus braços àqueles que pretendam se iniciar nos augustos mistérios da Ordem, independente de seu credo religioso.

A adoção de um arquétipo da virtude maçônica orienta o crescimento espiritual de cada um, invocado de forma constante nos ensinamentos e rituais, esclarece e ao mesmo tempo nos ensina o que se espera dos Maçons na busca do aperfeiçoamento da construção de seu Templo interior.


Um comentário:

  1. Excelente Peça de Arquitetura, notadamente sobre os protestantes e a figura de São João. Realmente esclarecedor e muito bem fundamentado. Abraçops meu irmão
    Luiz Carlos Freitas Magno M.'. M.'. Loja Guardiões dos Antigos Mistérios - 882 GLESP

    ResponderExcluir