
O MEC DEVE DESCULPAS AOS ESTUDANTES
Estamos assistindo a um espetáculo que mostra o improviso, a incúria técnica
e o desrespeito com que o Ministério da Educação (MEC) decide a sorte de milhões
de estudantes Brasil afora. Provas de redação do Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem), que valem 50% do exame, vieram a público, numa reportagem de O Globo:
textos com erros ortográficos clamorosos, como enchergar, rasoavel e trousse,
mereceram a nota máxima, de 1.000 pontos.
Um candidato entediado e brincalhão resolveu incluir um parágrafo ensinando
como se prepara macarrão instantâneo. Atribuíram-lhe 560 pontos – 56% de
eficiência. Outro redigiu quatro parágrafos. O segundo e o terceiro transcreviam
o belo hino do meu querido e ora sofrido Palmeiras. Uma beleza em si, que
estava, no entanto, fora do lugar. Só o primeiro e o último aludiam ao tema
proposto, com conteúdos praticamente idênticos. Mesmo assim, ganhou 500 pontos –
ou 50% da prova. Quantos horrores não se repetiram em milhões de provas?
O MEC ainda tentou justificar o desatino na atribuição das notas. Nas redes
sociais, as milícias ou os mercenários petistas tentavam justificar os critérios
e davam curso a teorias conspiratórias: os críticos estariam querendo pôr fim ao
Enem. O exame, como evidencia a história, foi criado pelo ministro Paulo Renato
Souza, no governo FHC, para avaliar a eficácia do ensino médio e, então, propor
ações para elevar a sua qualidade, que sabemos, no mais das vezes, sofrível.
Partiu do próprio Paulo Renato a diretriz para que faculdades e universidades
passassem a incorporar, de forma descentralizada e autônoma, o desempenho dos
estudantes no Enem entre seus critérios de seleção. Em 2002, 340 instituições já
o faziam. Coube ao então ministro Fernando Haddad dar uma resposta simples e
errada a um problemas difícil: a transformação do Enem no maior vestibular do
mundo ocidental. Isso sob o pretexto de que iria acabar com… a angústia do
vestibular!
Sem que houvesse infraestrutura adequada e saber acumulado para tanto – até
hoje o MEC não dispõe de um banco de questões digno desse nome -, o governo
petista decidiu que o Enem funcionaria como prova de seleção para o ingresso dos
estudantes nas universidades federais. Os desastres sucederam-se: quebras de
sigilo, problemas de impressão, ideologização do exame, arbitrariedade na
correção das redações… Tudo isso concorreu, na verdade, para aumentar a angústia
dos estudantes, aquela com que pretendiam acabar. O Enem transformou-se, assim,
numa grande máquina discricionária, de deboche, que aprova ou reprova alunos
segundo a vontade de uma burocracia que não é técnica, não é lógica nem é
transparente.
No ano passado assistimos a uma revolta dos estudantes com as notas
atribuídas às redações – que decidem, mais do que qualquer prova, a sorte dos
candidatos. Já era patente que algo de muito errado ocorria nessa área. E neste
ano somos confrontados com o descalabro. Ao menos uma parte dos corretores nada
corrigiu. É plausível que nem tenha lido os textos na íntegra. Pior: um dos
maiores vestibulares da Terra não dispõe da tecnologia necessária para avaliar a
qualidade da correção.
Ora, um exame dessa natureza e com tais características exige uma sofisticada
tecnologia de aferição da qualidade do próprio processo. Afinal de contas,
trata-se da vida de milhões de estudantes. É razoável – com z e acento agudo –
supor que o Enem se transformou numa máquina de selecionar pessoas segundo
critérios arbitrários. O exame que deveria servir às reformas no ensino médio se
transformou num mau diagnóstico e num vestibular incompetente.
É uma tolice e uma mentira afirmar que os críticos querem pôr fim ao Enem.
Até porque, reitere-se, ele não foi criado pelos governos petistas. Como não foi
o Bolsa-Família, que eles também herdaram. Mas o PT tem a vocação e o talento
para se adonar de propostas e programas que não são originalmente seus e depois
anunciar que estão sob ameaça. Tenta transformar a crítica à sua inépcia
gerencial em sabotagem.
Para corrigir erros e desvios é preciso admitir a existência do problema, ter
uma vontade de acertar maior do que a arrogância, ser dotado de uma honestidade
intelectual maior do que a propensão ao embuste e ter uma disposição para
trabalhar maior do que a preguiça. Chamados a dar uma explicação para as
barbaridades que vieram à tona, os técnicos responsáveis pelo Enem, sob o
comando do ministro Aloizio Mercadante, criaram teorias mirabolantes. Chegou-se
mesmo a dizer que os textos estavam absolvidos, pois Miojo e Palmeiras não
desrespeitam os direitos humanos…
Um dos fundamentos dos direitos humanos é a igualdade das pessoas perante a
lei e o respeito ao mérito de cada uma. Se começa a ficar claro que a prova que
vale 50% do exame que decidirá o ingresso ou não de um estudante na universidade
sofre a mais escancarada arbitrariedade, se o instrumento que vai hierarquizar a
fila dos candidatos a uma vaga depende menos do desempenho de cada um do que dos
bons ou dos maus bofes do corretor, se os estudantes têm fraudadas suas
expectativas e violada sua esperança de uma avaliação justa, então, pode-se
afirmar que estão sendo agredidos os direitos fundamentais dos postulantes – que
direitos humanos são, a menos que o ministro da área consiga provar
irrevogavelmente o contrário.
Em vez de oferecer explicações esfarrapadas, o MEC precisa pedir desculpas a
milhões de estudantes brasileiros. Uma das críticas que o petismo faz às
universidades públicas paulistas é a de não aderirem ao Enem em seus respectivos
vestibulares. Tenho outra proposta: que o MEC, que transformou o Enem num
megavestibular, aprenda um pouco com o vestibular dessas universidades, por
exemplo. Seria mais prudente e construtivo.
28.03.2013
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