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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A IRA DO PEIXE

 
Aproximei-me da mesa do bufê com iguarias variadas, dentre as quais se destacava um enorme peixe assado. Cerca de sessenta centímetros de comprimento estendidos numa travessa de prata de lei, ornamentada com folhas verdes, rodelas de tomates e de pimentões verdes e vermelhos.  Aros de cebola branca, como  elos olímpicos,  completavam a decoração.

Olhei-o de frente.  Aqueles olhos arregalados, os dentes desafiadores naquela boca  aberta e com as extremidades caídas...  O peixe parecia expressar perplexidade, indignação!
 
Fiquei ligeiramente constrangido, diante daquele quadro.
 
Por alguns segundos imaginei como teria morrido aquele peixe... “Lutando pela liberdade, com certeza”!

Dizem que Deus, além de toda a natureza, criou o homem, as aves e os  animais.  Estes últimos, aves e animais, dentre outras finalidades, também para servirem de alimento para aquele. Concordo. Mas penso que, dentro do possível, deve-se dar uma morte digna àqueles irmãos destinados ao sacrifício.

Certo domingo estava eu observando pescadores num desses pesqueiros confortáveis, verdadeiros parques, com guarda-sóis, cadeirinhas, serviço de bar, caixa de isopor com as cervejinhas, etc. Aquele dia ensolarado sugeria alegria, descontração, mas estavam todos compenetrados, em silêncio, à espreita dos incautos peixes ali confinados... Pois é, a deslealdade já começa por aqui... Confinados,  para serem... caçados!

De repente, chama-me a atenção o caniço vergado de um pescador que se levanta excitado pela expectativa de uma boa  presa.

A linha retesada era puxada de um lado para outro, traçando arcos na água. Às vezes, era levada mais para o fundo. O pescador soltava mais linha e a recolhia, soltando ou girando rapidamente a carretilha até,  minutos após, esgotar as energias da sua presa, que foi içada para o barranco, derrotada. Derrotada?  Não senhor! O peixe concentrava suas energias e mais uma vez lutava, bravamente, tentando desvencilhar-se daquele doloroso objeto pontiagudo  encravado em sua goela. Mas, foi em vão.

Não sei que peixe era, mas era um belo exemplar, dorso cinzento, a barriga esbranquiçada. Mais de trinta centímetros.

Aproximei-me. Vejo o pescador retirando com um alicate, cuidadosamente, o anzol ainda com  a isca, da goela do peixe... Aliás, pareceu-me estar arrancando as entranhas do coitado, que ainda se debatia, ofegante! Sangrava um pouco!
Retirado o anzol,  o pescador vitorioso examina a isca intacta, orgulhando-se da boa qualidade do artefato que imitava um peixinho reluzente. Não sei se era de metal ou de plástico... Mas, certamente, uma atração irresistível!

Na realidade, confinado naquele espaço, o peixe não tinha opções de busca livre de alimentos, nem opções de fuga. Atraído pelo artifício do dissimulado pescador, abocanhou aquilo que lhe parecia uma deliciosa refeição... e sentiu apenas aquele frio metal, ou aquele plástico insosso, a travar e  ferir-lhe a goela, sufocando-o!

Imagino: se o peixe pudesse expressar verbalmente a sua ira, naquele momento, com certeza proferiria impropérios, em altos brados, qualificando o pescador como rebento de uma mercenária sexual...

Após alguns minutos, resta-lhe apenas o desencanto, a frustração pelo engodo de que fôra vítima.

Pois é. Desde que inventaram a isca artificial e que se torna cada vez mais perfeita, cada vez maior é a decepção do irmão das águas, quando atraído para um suposto banquete.

Coitado... O peixe é tapeado quando está apenas buscando seu alimento, ou está cumprindo seu desígnio natural de predador, que lhe foi atribuído pelo Grande Arquiteto do Universo, que é Deus, para o equilíbrio da natureza. E naquela rápida ação, sequer sente o sabor de um irmãozinho destinado a sua alimentação, ou o delicioso sabor de um molusco ou de um pedacinho de carne. Ou de uma mísera minhoca  que fosse!...

O nosso irmão das águas foi condenado à morte, ultrajado, ludibriado por um sedutor mas indigesto pedaço de metal brilhante, ou por  um asqueroso naco de plástico colorido, dolorosamente enroscado em suas entranhas.

Sacanagem!...Em agonia, foi o seu último sussurro.  Eu ouvi, JURO!

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