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terça-feira, 17 de setembro de 2013

EM JOGO: A APLICAÇÃO DA JUSTIÇA E O ESTADO DE DIREITO

FIQUE POR DENTRO
 
Artigo: o voto do ministro Celso de Mello e a credibilidade do STF
publicado em 17 de setembro de 2013
 
 
 

 
 Por Adriana Ancona de Faria*
 

O ministro Marco Aurélio, depois de impedir o voto do ministro Celso de Mello na última quinta-feira, alongando sua manifestação ao infinito na companhia do ministro Gilmar Mendes, fechou a sessão do STF em franca desconsideração ao ministro Luís Roberto Barroso, comentando com desdém o “direito” que o “novato” se deu de questionar os veteranos.
A deselegância do ministro Marco Aurélio não é apenas um desrespeito às normas de etiqueta, mas uma ofensa à seriedade da convivência democrática que deve pautar as relações da mais alta Corte do País.
Novato ou veterano, todo o ministro do STF tem o dever de pronunciar-se de acordo com seu convencimento, com fundamento na ordem jurídica vigente e em especial nas previsões constitucionais do País.
Contrapondo-se ao colega que dizia não ter suas decisões pautadas pelas massas, mas sim pelo Direito, e não fazer diferença para si o que sai na mídia, o ministro Marco Aurélio respondeu: “Dependendo do que sai, pra mim faz. Porque como servidor do meu semelhante, eu devo contas aos contribuintes.”
Mais como cidadã, do que como contribuinte, temo acreditar que um ministro do Supremo possa estar declarando que suas decisões devem estar condicionadas às opiniões veiculadas pela mídia, sob o argumento de que essa seria expressão da opinião pública.

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A mídia, apesar das afirmações categóricas que apresenta em suas publicações, condiciona-se à sua natureza de empresa privada, e nesse sentido, defende o seu direito de tomar parte nos debates públicos representando os interesses que a constitui. É evidente que esta não se confunde com a condição de porta voz da opinião pública.
Feita essa observação, é preciso destacar ainda que nem mesmo a vontade das massas é por si a expressão da justiça, dado que o desejo da maioria pode contrapor-se aos direitos protegidos por uma ordem democrática e garantidores desta.
É evidente que o avanço da democracia brasileira depende da responsividade de seus agentes públicos, do combate à corrupção, da eficácia do sistema de justiça, das reformas políticas e sociais e da diminuição das diferenças. Mas não é menos verdade que esse percurso só será realmente democrático se realizado em respeito às regras do jogo, ou seja, a um STF comprometido com a proteção dos direitos fundamentais e do respeito aos valores do devido processo legal, constitutivos do conceito de Estado de Direito.
Assim como não se aceita uma confissão colhida sob tortura, não se admite a adaptação das regras processuais em virtude dos acusados em questão.
Dessa maneira, parece-nos forçoso assumir que o voto do ministro Celso de Mello deve guardar consistência com os entendimentos pretéritos para casos similares, deve favorecer a proteção da ampla defesa diante das inúmeras contradições e da falta de consenso sobre questões relevantes e, diante da inexistência de expressa previsão legal para hipótese, buscar nos princípios constitucionais do país e nos instrumentos internacionais de proteção de direitos, seu posicionamento quanto ao cabimento dos embargos infringentes.
No fim de agosto, as organizações Globo assumiram ter se equivocado no período ditatorial do País apoiando o então regime. Pensando na responsabilidade histórica do STF, ressalto que a única pressão a que deve estar premido o decano do Supremo, ao proferir seu voto, é na confiança que a população brasileira deve ter em relação à garantia de que a mais alta Corte do País está comprometida essencialmente com o fortalecimento do estado de direito e da democracia brasileira e que não irá transigir na aplicação do direito, para agradar a opinião de ninguém.
Permitir o depósito da confiança no STF por um histórico de decisões que aplique o direito de forma consistente e isonômica, em respeito às regras do jogo de um Estado Democrático e aos valores protegidos constitucionalmente, é a melhor prestação de conta que um ministro pode oferecer a qualquer cidadão do País, seja esse contribuinte ou não.

*Adriana Ancona de Faria é professora doutora de Direito Constitucional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
 

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