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domingo, 13 de outubro de 2013

O CONDOR

 

Estive visitando as ruínas de Machu-Pichu, no Peru, no início da década de ’90.

De repente o guia chama a atenção do grupo de turistas: “Vejam, um condor...”

Lá ia o condor, vôo altíssimo, e em poucos segundos desaparece, como que aspirado pelos Andes.

O esplendor daquela cena, quase sagrada, ficou gravada em minha memória, e por conta disso, me emociona ouvir  El condor pasa, música composta por Daniel Alomia Robles (argentino,  brasileiro por opção), com letra original de Julio de La Paz (Julio Baudouin), na magnífica interpretação de Dante Ledesma.
  
A música é um lamento. A letra é um grito angustiado, um protesto de anseio pela liberdade do inca contra a prepotência do branco europeu sobre o seu povo. Esse é o sentido da musica e da letra, cujo texto inicial está acima transcrito, que nada tem a ver com aquela, descompromissada, criada por Simon & Garfunkel, que inicia dizendo  “Eu preferiria ser um pardal do que uma lesma; eu preferiria ser um martelo do que um prego....”(I’d rather be a sparrow than a snail…),e assim segue.

A música me leva ao infinito que emoldura os picos dos Andes peruanos, a sonhar com a altivez do condor, seu porte majestoso, sua imponência. Quem sabe seja o espírito inca protegendo o seu antigo e poderoso império, ainda deslumbrante!

Anos depois, viajando pelo sul do Chile, em um pequeno povoado tornei a ver um condor.  “Poderia ser aquele mesmo “, imaginei... 

Mas, coitado... Este parecia um mendigo!

Velho e alquebrado, magro, imóvel, ligeiramente curvado, alheio a tudo e, ao que me pareceu, cego! Acorrentado sobre um pequeno patamar de madeira, junto a sua casinha... e uma placa mal escrita, em que o proprietário do local, uma pequena chácara,  solicitava donativos para alimentar a ave!

Acredito que um dia ele foi também aquela  ave imponente a dominar soberanamente os céus e a caçar suas presas, lá embaixo, nas planícies. E voar tão alto que parecia subir além dos mais altos e gelados picos, desaparecendo nos mistérios andinos.

Coitado, pensei: um altivo imperador, ali ridiculamente exposto, impotente e sendo usado pelo seu algoz. Totalmente apático, parecia sentir-se desmoralizado, demonstrando a amargura que trazia em seu coração, e assim aguardava a morte.

Certamente ele preferiria estar livre, e livre dar seu último vôo, para a eternidade.

Senti que aquele  condor era mais uma vítima da violência física e moral do homem contra os nossos irmãos alados.

Até hoje só ouvi falar em cemitério de elefantes, para onde, dizem, eles se dirigem, ao pressentirem seu fim. Uma morte digna, discreta. Sozinho ou, quem sabe, sob o olhar pesaroso de seus amigos de manada.

Não sei como é a morte dos demais animais e das aves, na natureza.

Creio que todos deveriam passar para o plano eterno com dignidade.

Um comentário:

  1. No inconsciente dos povos dos Andes, o Condor, seu guardião, é eterno e imortal.

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