O PÔTI
Lembro, com muitas saudades e emoção, do querido Pôti.
Não me esqueço de sua alegria sincera, sempre que chegávamos ao sitio do vovô Yamashiro, onde ele morava, a mais ou menos três quilômetros da vila de Cedro, litoral sul do Estado, geralmente nas nossas férias escolares de verão, em dezembro / janeiro, local das mais saudosas e gratas lembranças!

Na grande baixada, o extenso bananal do vovô, cortada por um córrego que, junto a um pontilhão, era a nossa piscina nas tardes ensolaradas, quentes e úmidas da região. Por entre as bananeiras, uma linha de trole – em grande parte com trilhos de madeira – de alguns quilômetros, construída pelo vovô, para transporte de cachos de bananas nanica que produzia, tipo exportação, como diziam os adultos, até o Desvio Furuya, uma estaçãozinha de trem, onde eram embarcados em vagões da Sorocabana e transportados para Santos e, dali, de navio, para a Argentina, segundo ouvíamos dizer. Às vezes, inundações de verão do rio Juquiá! Eu não imaginava, mas agora acho que o vovô sofria e perdia muito com elas.
No lado oposto à casa do vovô, a um quilômetro, mais ou menos, por um estreito caminho pelo meio da mata e uma baixada, a família Akamine, amiga de longa data.
Esse era o pequeno paraíso daquelas nossas férias escolares de verão!
Esse era o mundo do Pôti.
1948, 1950... e princípios dos anos 60.
Pressentindo a chegada de visitas, lá surgia o Pôti, correndo, balançando o longo rabo e latindo alegre morro abaixo, pelo estreito caminho marcado sobre a grama, que dava acesso à casa do vovô.
Sim, o Pôti era um cachorro, um daqueles vira-latas comuns, de pelos caramelados, que o vovô tinha em seu sítio.
Pôti era um cachorro alegre, interessado, um bom sujeito... Estava sempre disposto a brincar, a participar de tudo. Mas era também muito emotivo.
Lembro-me, certa vez, o vovô estava sacrificando um enorme leitão para as festas de começo de ano (os japoneses comemoram a chegada do Ano Novo), com uma enorme e pontiaguda faca. O suíno berrava, aliás, parecia que chorava alto, desesperadamente, enquanto seu sangue jorrava e era colhido numa bacia.
O Pôti, sentado em frente, com o cenho franzido, tremia, mas tremia tanto!... Parecia que estava emocionado, vendo o sofrimento do leitão.
Não sei por quantos anos todos convivemos com o Pôti naquelas inesquecíveis férias escolares.
Mas o Pôti também auxiliava a vovó. Ele era um exímio capturador de galinhas. Quando a vovó queria preparar um frango para o almoço ou jantar, atraia as penosas através do artifício das porções de milho atiradas em leque, no terreiro.
O Pôti punha-se de prontidão. Sabia que teria uma missão a cumprir!
No meio daquela aglomeração agitada de aves, a vovó escolhia um frango, já bem carnudo e apontava: “Aquêre, Pôti!”
O Pôti identificava imediatamente o condenado e iniciava a perseguição, olhar determinado, concentrado no fugitivo.
A galinhada toda se alvoroçava e fugia em desordem, as crianças, digo, os pintinhos piando desesperados atrás de suas mamães-galinhas. Era um deus-nos-acuda! Algumas daquelas aves até conseguiam alçar pequenos e desajeitados vôos.
Mas o Pôti sabia qual era o seu alvo e não falhava.
Após alguns segundos de ziguezagueante perseguição, lá estava o Pôti, ar vitorioso, com as patas dianteiras pressionando no chão a sua presa, aguardando a chegada da vovó. (Ah! que saudades do vovô, da vovó. Do forno de barro da vovó, ao lado do paiol, do seu fogão à lenha na cozinha de chão fresquinho de terra batida! Ah! Quantas saudades! Nunca, nunca mais!....)
À noite o Pôti assumia as responsabilidades de vigia noturno, atento a qualquer ruído estranho nos arredores da casa. Seu latido era másculo, potente!
Com o passar dos anos, o Pôti às vezes parecia um pouco cansado... reflexo da senilidade canina. Mas era sempre gentil com todos os seus familiares e amigos.
1960... 61?...Coitado do Pôti. Já idoso, acho que ele nunca entendeu por que fora deixado, no sítio, quando o vovô e a vovó, já idosos e merecendo um descanso junto aos seus filhos e netos, mudaram-se para São Paulo. Eles também com certeza sentiram muito a separação, mas, na época não havia outra solução.
Mais tarde soube que quando da mudança do vovô e da vovó para São Paulo, o Pôti não ficara no sítio, mas sim, fora dado para uma família amiga, na vizinha cidade de Juquiá. Em seguida ele retornara ao sítio e, ao que parece, como encontrara a velha casa vazia, buscou abrigo na casa daquela família vizinha e velha amiga, a Akamine, que ele bem conhecia. Ali, com o carinho daquela família, ficou até morrer. Deve ter morrido triste, saudoso, nos primeiros anos da década de ’60.
Soube, também, que por algum tempo o Pôti ia até a estação de trem da vila de Cedro, da velha Estrada de Ferro Sorocabana, ramal Santos-Juquiá, onde pela última vez estivera com o vovô, com a vovó, ou com uma das tias, quando fora levado para aquela família, em Juquiá, no trem da hora do almoço, e que retornava para Santos, à tarde, como trem do café. O Pôti com certeza aguardava o retorno, que nunca aconteceu!...
Que eu saiba, o Pôti nunca teve uma companhia feminina, em casa. Que eu me lembre, nunca o vi namorando. Mas com a sua ginga, sua simpatia, deve ter amado muito... deve ter seduzido muitas cadelinhas, no pedaço!
Coitado do Pôti!
Por todos que o amaram, e que você amou e alegrou, perdão, Pôti! Muito obrigado por tudo, Pôti!
Penso: deve existir um céu também para estes nossos irmãozinhos, onde eles descansam em paz! Acredito que - pela pureza de seus sentimentos - mereçam o mesmo céu dos homens, de quem eles sempre foram fieis amigos!
Ir.'. Jorge Nagado
Advogado e Amante das Letras
Ótimo texto!
ResponderExcluirMuito obrigado, Rodrigo.
ExcluirVocê está me incentivando a "confessar" outros "crimes" que eu venho cometendo...
Um abraço.
Jorge.