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sábado, 30 de novembro de 2013

FREDERICO II versus VOLTAIRE

 
Em 1740, Voltaire recebeu o convite para visitar Frederico II, rei da Prússia. Teve que separar-se de Mademoiselle Du Châtelet entre mútuas lágrimas... pois o monarca não admirava a presença de mulheres. Frederico, cognominado “o déspota esclarecido” atraiu o filósofo para sua corte de cientistas, escritores, compositores e bajuladores que parasitavam no palácio de Sans-Souci. Voltaire pagou para ver, pois como poderia um déspota ser esclarecido ou sendo esclarecido tornar-se déspota? Para ilustrar o tipo de relação de Frederico II com os pensadores e artistas, vale narrar o episódio envolvendo Johann Sebastian Bach que esteve na corte de Potsdam em 1747. Um jornal contemporâneo conta que, ao deparar-se com o sexagenário kapellmeister Bach, Sua Alteza Augusta dirigiu-se ao cravo e, de nariz empinado, improvisou um tema musical como desafio ao grande gênio. Despoticamente esclarecido, determinou que Bach elaborasse uma composição baseada naquele tema real repleto de escorregadiços cromatismos. Bach conteve-se diante daquele arrogante. Permaneceu mais algum tempo na corte, participando de concertos junto ao flautista Frederico II que era a figura central nos saraus de câmara de Sans-Souci. Antes de despedir-se, desincumbiu-se do desafio, superando as expectativas: compôs a famosa Oferenda Musical BWV 1079 “super thema regium” que assombrou o rei, não apenas pela complexidade técnica e beleza estética, mas pelos inúmeros jogos de palavras e enigmas musicais que Sua Alteza Augusta teria que decifrar: “quaerendo invenietis”, escreveu Bach – procure e acharás. Entre os dois alemães o episódio terminou aí, sem maiores consequências. Mas, com Voltaire foi diferente, Frederico deu-se mal: o iluminista, sempre compromissado com a verdade e a igualdade social, denunciou a promiscuidade sexual da corte e as sérias dificuldades políticas vividas em Potsdam por conta de o prussiano "detestar mulheres e ter estranhas preferências para seus prazeres". Foi além: ridicularizou os péssimos versos do monarca e riu de suas composições musicais desajeitadas. Os detalhes dessa fase da vida, Voltaire narra em suas Memórias (1759). Acusou o pensamento íntimo do rei que consistia numa "liberdade relativa" onde os cidadãos nada mais eram do que servos cabisbaixos das ordens do Estado. Mais ou menos como hoje, só que os que poderiam ser voltaires do nosso século não sabem rir, estão amordaçados ou comprados. Voltaire aceitou brincar de gato-e-rato com a lâmina afiada de Dâmocles, bajulado pelos cortesões fascinados apenas pelo mistério oculto em seu sorriso enigmático. A nobreza, suficientemente ignorante para acompanhar o voo daquela águia, contentava-se em admirar seus olhos penetrantes e seu bico sorridente. Então, Voltaire mergulhava das alturas e fazia versos para entreter uns poucos escolhidos. Estremeceu os letrados e entrou em rota de colisão com Maupertius, presidente da Academia de Berlim. Foi a gota que faltava, acabou sendo literalmente banido da corte.
 


 
http://zmauricio.blogspot.com.br/

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