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domingo, 31 de agosto de 2014

William Hogarth: Pintor que retratava de forma crítica e irônica a sociedade do século XVIII, não deixou escapar a Maçonaria...



Willian Hogarth - Auto retrato com seu cão
Willian Hogarth (Londres - 10 de Novembro de 1697 a 26 de outubro de 1764)

Possuidor de uma mente privilegiada, altamente crítica e irônica, Hogarth, pintor e maçom, retratava aquilo que acontecia nas ruas de Londres, praticamente "perseguindo" quem por elas peregrinava, obtendo como resultado a eternização em sua obra do contexto político e social da época, através de caricaturas e desenhos do passado nefasto do processo industrial.

Para tanto, entranhava-se na parte desmoralizada do cotidiano, nos hábitos, vícios e práticas libertinas da sociedade londrina durante o século XVIII. Mal comparando, seria uma versão antiga do "paparazzo" atual, uma vez que sempre indiscreto e observador da vida alheia, invadia o anonimato das ruas para produzir imagens ácidas da "intimidade social pública"...

Era um artista popular. A comercialização de sua obra a preços módicos favoreceu difusão das imagens e sátiras do artista as quais trafegaram facilmente pelas ruas, casas e estabelecimentos comerciais. 

"Os Quatro Períodos do Dia" formam um interessante conjunto de quatro pinturas que fazem parte da obra de Hogarth. Nessa obra, expôs com clareza a hipocrisia dominante na sociedade da época e entre nobres maçons, suas vertentes religiosas e suas vidas mundanas secretas.


Pintadas em 1736, foram reproduzidas como uma série de quatro gravuras em 1738. São representações humorísticas da vida quotidiana nas ruas de Londres, que trazem a tona os caprichos da moda, a interação entre ricos e pobres e alguns costumes mundanos de uma sociedade hipócrita.

As quatro pinturas das cenas do dia-a-dia foram captadas em vários locais de Londres na medida em que o dia ia se passando:

"A Manhã" 

Mostra uma mulher, que segundo relatos da época era uma solteirona que usava vestes inapropriadas e em tons de amarelo pouco recomendáveis que "escondiam desejos inconfessáveis", observe na imagem! É a única que aparece com vestes pouco cobertas em pleno dia frio, dirigindo-se para a igreja, em Covent Garden, ao mesmo tempo em que supostamente tentava se proteger (com um leque) da visão de uma cena um tanto ousada entre homens e mulheres se esfregando na rua, por sinal uma cena bastante comum naquele local onde diversos bares espalhados pela região acolhiam os beberrões e prostitutas, saídos das tavernas na noite anterior e que ali paravam para "uma esticada da noite". A cena nos mostra uma autêntica folia etílico-fornicante, que se espalhava pelas ruas até o amanhecer.



"O Meio-dia" 

Esta outra cena se passa no Hog Lane, parte da favela de St. Giles. Veja a igreja de St. Giles em segundo plano. A imagem mostra huguenotes deixando a igreja francesa. Hogarth destaca o contraste entre a moda usada pelos huguenotes, retratados do lado da igreja em confronto com o despojamento das vestes dos habitantes da favela no outro lado da rua, tendo ao centro no chão, a imagem de um gato morto, única coisa comum entre os dois grupos de pessoas. 

Note-se que os mais velhos usam roupas tradicionais, enquanto os mais jovens se vestiam com a moda atual da época. Já as crianças eram vestidas como adultos. Emergem claramente duas diferentes culturas em lados opostos da rua, de um lado um grupo familiar "padrão" e, opostamente, um grupo fora dos padrões familiares, heterogêneo e pouco afeto às regras sociais de convivência e de educação. 

Interessante notar que do lado do "grupo libertino" consta a figura de um homem negro acariciando  por trás (encoxando mesmo), uma mulher branca, transpassando-lhe os braços libidinosos a bolinarem-lhe os seios, em plena rua, à luz do meio dia. Tal fato pitoresco possivelmente se deve a uma alusão política à causa libertária dos escravos.

Não menos curiosa é a propaganda da loja de tortas logo acima do referido casal. Nada menos que a cabeça de São João Batista numa bandeja servia de propaganda para venda de guloseimas anunciando o "Bem Comer"... naquele local. Com todo respeito ao povo da época, isso além de ser desrespeitoso para com os religiosos e a religiosidade, chega a ser nojento...




"A Tarde" 

A cena ocorre fora da área urbana da cidade, com vista para as colinas e o céu anoitecendo. A vaca sendo ordenhada no fundo indica isso.

Representa uma família de tingidores de couro e tecidos, mal humorados, depois de uma ida ao Teatro Sadler's Wells.

O marido tem as mãos manchadas, o que revela a profissão de tintureiro, parece atormentado pela forma como ele leva exausto a sua filha mais nova. 

Em algumas impressões as mãos do homem aparecem bem azuis, o que corrobora a sua ocupação, do mesmo modo que o rosto de sua esposa é colorido com tinta vermelha. O melhor de tudo e mais engraçado é a forma como Hogarth retratou o marido. Note que a colocação de chifres da vaca atrás da cabeça do infeliz representa-o como um corno e sugere que as crianças não são filhos dele... Hogarth vivia nas ruas, observava tudo e ouvia a todos, logo sabia bem o que estava fazendo, os chifres não foram obra do acaso...



"A Noite" 

A imagem final da série, mostra as atividades desordenadas e inconfessáveis que se desenvolviam sob a proteção do manto da noite na Charing Cross Road, a qual se identifica pela presença da estátua equestre de Hubert Le Sueur de Charles I da Inglaterra e os dois bares. Esta parte da rua é atualmente conhecida como Whitehall. 

A noite é 29 de maio, comemoração do Oak Apple Day ou Royal Oak Day, um feriado que comemora a restauração da monarquia, reconhecido pelos ramos de carvalho acima da publicidade do barbeiro e em alguns dos chapéus das pessoas, lembrando o carvalho real em que Charles II se escondeu depois de perder a batalha de Worcester em 1651. 

Mostra um mestre maçom, melhor dizendo um "V.'.M.'." bêbado (identificável na observação um pouco mais atenta da gravura), sendo levado para casa por um dos mais importantes oficias da Loja, há quem diga que era o 1º Vig.'., todavia autores importantes descrevem como sendo o Guarda da Loja, depois de uma festa etílica, realizada numa taverna, após o encontro maçônico.

Hogarth, não perdoava ninguém... Nem mesmo os próprios irmãos... Sim! Hogarth era maçom!!!

Fico me perguntando se acaso esse "flagrante" não seria por causa de um desvirtuado "Copo D'água" dos primórdios londrinos?

Pouco importa... Isso é uma outra história que merece uma abordagem um pouco mais profunda em outra ocasião. Sigamos.

Ambos, V.'.M.'. e seu Oficial, passavam ao lado de uma fogueira comemorativa da data ao pé da janela do barbeiro, um bêbado que trabalhava à noite raspando a esmo a barba de um cliente, segurando o nariz dele como o de um porco, enquanto as manchas de sangue (vistas somente no original da pintura), escurecem o pano debaixo do queixo do incauto. Debaixo da janela uma família sem-teto (lá também tem essas coisas, desde aquela época) instalou uma cama e se acomodou no local.

Ao lado da dupla de irmãos de copo (d'água?), vislumbra-se uma carroça passando lotada e mal ajeitada com a mobília de uma casa. Dentro, as figuras de pessoas assustadas sugerem inquilinos escapando do senhorio. Na pintura a lua está cheia, claridade suficiente para perceber a mão na janela superior colocando fora, janela abaixo, o conteúdo de um recipiente, melhor dizendo, de um penico de mijo e sabe-se lá mais o que.

O maçom (o mais velho) foi identificado como um homem de família tradicional, Sir Thomas de Veil, membro da primeira Loja de Hogarth, o qual era de fato conhecido por sua fama de "pau d'agua" (ou copo?). Pouco importa.

Tudo que existe ao redor da cena são bares e bordéis. 

O "The Earl of Cardigan Tavern" fica em um lado da rua. À frente está a "The Rummer", cujo simbolo é um "copo curto de abas largas" com um cacho de uvas. 

As Lojas maçônicas reuniam-se em ambas as tavernas durante a década de 1730. Todavia, a boa fé maçônica era ludibriada por um comerciante, eis que o Lodge at the Rummer and Grapes, era vizinha ao Channel Row e tinha por prática adulterar o conteúdo dos tonéis de vinho que os maçons consumiam...

Em ambos os lados da rua haviam banhos turcos. O Bagnio e The New Bagnio que significavam "casas de desordem". 

Nesta localidade, o Conde de Salisbury escandalizou a sociedade conduzindo em "alta velocidade! e virando uma diligência. John Ireland o apelidou de "Salisbury Voador Coach". O "Conde de Cardigan", que fez uma zombaria disso, mais tarde se tornou duque de Montagu, e Grão-Mestre da maçonaria, também acabou conhecido por sua condução imprudente transporte.





Possível explicação para a crítica de Hogarth:

Na época, a concorrência entre os dois segmentos da maçonaria britânica era inegavelmente acirrada, havia nítida divisão entre o seguimento católico e o seguimento protestante. Este por sua vez, em maior vantagem política buscava ofuscar a existência de Lojas católicas mais antigas, ou seja, existência anterior à modificação reformatória de operativa para especulativa.

Eis que a história nos revela que a corrente maçônica católica em geral produzia seus encontros de forma ritualística e organizada em igrejas. Na outra banda, a corrente maçônica protestante costumava se reunir em tavernas de modo mais informal, misturando-se com os frequentadores. Obviamente tal situação não seria a ideal para os maçons, cuja reputação de alguma forma poderia ser manchada por essa prática.

Era preciso encontrar uma solução para esse problema. 

Os maçons ligados à Royal Society, liderados por John Theophilus Desaguliers, filósofo, assistente e divulgador de Isaac Newton, então resolveram fundar uma associação de Lojas para planejar e organizar melhor o desempenho da maçonaria, desatrelada dos eventos da Igreja. Reuniram quatro Lojas de tavernas e criaram a Grande Loja de Londres, em 1717.

Com isso, dentre muitas outras vantagens e razões, passaram a prestigiar ainda mais sua atividade, substituindo as finalidades mundanas das suas reuniões nas tavernas por encontros com mais formalidades e mais compatível com a ideia de uma sociedade que afigurava como cultural e filantrópica.

Todavia, enquanto isso, Willian Hogarth não perdeu a chance de desferir sua crítica ferrenha aos falsos maçons e protestantes da época. 



Extremado defensor da moral e dos bons costumes, combateu a hipocrisia daqueles que durante o dia se diziam igualmente moralistas, mas à noite se dedicavam aos prazeres carnais e vícios de toda sorte nas tavernas londrinas, praticando atos incompatíveis com a sóbria e idealizada família britânica.

Finalmente, a esse respeito escreve John J. Robinson, em “Nascidos do Sangue - Os Segredos Perdidos da Maçonaria”

“Enquanto a Maçonaria continental estava ocupada em tecer mais e mais padrões complexos de rituais, a Maçonaria britânica original de três graus enfrentava seus próprios problemas. Como todo o conhecimento de qualquer propósito anterior desaparecera, a Maçonaria emergiu como uma sociedade glutona e beberrona, com, talvez, uma sombria ênfase exagerada na última. Todos os Maçons ingleses provavelmente lamentavam que seu Irmão moralista, William Hogarth, houvesse imortalizado o estado da Maçonaria londrina do século XVIII em sua pintura intitulada A Noite, que retrata um Mestre Maçom bêbado como um gambá sendo carregado para casa pelo Guarda da Loja, ambos com as insígnias maçônicas.

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